Reconhecendo quem mais fez pela profissão, entrevista da TPD Cecilia Cattacini

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A Prótese Dentária Brasileira terminou o ano de luto, com o trágico desaparecimento desta TPD que deu contornos de especialidade à Ortotécnica, quer em cursos como nos congressos da APDESP BR. Ela vivia seu melhor momento profissional, com o sucesso do seu livro Técnicas Laboratoriais em Ortodontia e Ortopedia Funcional dos Maxilares – Passo a Passo de A a Z, com mais de 500 páginas. Para nossa tristeza, uma avenida com sinalização deficiente, a fez entrar na contra mão e colidir de frente. Fica um vazio e uma tristeza! Minha homenagem é reenviar a entrevista que me concedeu, para que possam ter na memória o quanto fez e o quanto era querida no meio.

Como teve a idéia de trabalhar com a Prótese Dentária?
Costumo dizer que a Prótese Dentária “caiu de paraquedas” em minha vida. Eu fazia cursinho em 1981, com a intenção de prestar vestibular para arquitetura e desenho industrial, tendo feito o exame da USP para pedagogia. Não entrei, mas hoje percebo que já havia, em mim, a vontade de ensinar. Nesse tempo, eu tinha uma amiga que me falou sobre o curso de Prótese Dentária do SENAC e juntas nos informamos sobre os exames de seleção. Minha irmã namorava com um estudante de Odontologia, Cícero Lascala, que incentivou-me e ajudou com o exame prático, ensinando a pegar pela primeira vez em um Le-Cron e manipular um bloco de cera.

Que lembranças tem dessa época?
Recordo-me bem do exame de habilidade: tínhamos que levantar vários tubinhos de cera e uni-los com espátula aquecida no bico de Bunsen em outros tubinhos, todos eles colados em um papel. O teste final era inverter esse papel e os tubinhos tinham que continuar colados. Eu não conseguia e fiquei um pouco aflita, mas pensei: Ai meu Deus, dai-me paciência! Diante disso cheguei à conclusão de que eu tentaria e se não desse certo… não era para ser! Não inverti o papel, pois isso me daria uma chance diante dos outros concorrentes, já que o deles poderia cair antes que o meu. Enfim, passei em todos os testes e comecei minha jornada. Foi quando tive o maior mestre da minha vida, um excelente profissional e uma pessoa maravilhosa, o professor Oshiro, que chamo de Shirinho, com muito carinho. Um dia em uma convenção da APDESP, fazia a minha apresentação, quando citei meu mestre e chamei-o de Shirinho. No fundo do auditório se ouvia uma baita gargalhada. Era meu querido amigo Ciro Kiatake, que disse que Shirim era “bumbum” em japonês.

Lembra de algum caso pitoresco acontecido no laboratório?
Fiz muitos amigos, mas não era uma aluna exemplar. Eu não era muito caprichosa naquela época! Shirinho sempre olhava meus trabalhos e dizia: está boooommm, mas pode melhorar um pouquinho aqui e ali! Muito interessante, pois é o que faço até hoje com meus alunos. Aprendi com ele a ver os limites de cada um e acreditar que eles poderiam ultrapassá-los, se quisessem. Sempre muito carinhoso com seus alunos. Uma vez me distrai conversando com ele e ao pegar uma espátula, posicionei meu cabelo, que era pela cintura, no bico de Bunsen. Imaginem o que aconteceu! Só ouvíamos o mestre gritando: Fogo, fogo e me estapeava para tentar apagar as chamas. Tive que aderir a moda “Chanel”. Eu era um pouco arteira, tínhamos duas Cecílias na sala, uma era a Alloya e a outra… a louca, eu obviamente. Ele fala até hoje que sou ligada em 220 volts. Lembro-me que em uma fase da vida, logo no início de carreira, tive que trabalhar muito, e em uma madrugada, muito cansada, vi uma notícia sobre o mestre: ele ganhava o Le-Cron de ouro. Senti uma enorme satisfação e aquilo deu-me forças para continuar. Escrevi uma cartinha para ele contando o fato, ele a mostrou em um congresso, sempre com muito orgulho.

Como foi seu inicio na profissão?
O início da carreira de um Técnico em Prótese Dentária não é nada fácil, pois é uma profissão muito prática, que depende do muito esforço e boa vontade. É certo que o técnico aprende com os olhos, mas enquanto não colocamos as mãos nos trabalhos a serem executados, não dá pra aprender, pois isso leva tempo. Tive a sorte de fazer estágio com os amigos Adriana e Laurence Guzzard. Coloquei modelos até de ponta cabeça no articulador…

Lembra do seu primeiro trabalho como aprendiz?
Estagiário sofre! Eu bem sei! Mas também foi a última vez, pois o Laurence, muito paciente, me disse: Calma é assim mesmo, você aprendeu? Então está bom! Logo depois consegui um emprego na clínica de ortodontia da Dr. Lucy Dalva Lopes. Ela tratava e ainda trata de pacientes com fissuras lábio palatinas, prótese buco maxilo facial, ortodontia e ortopedia funcional dos maxilares. Aí foi uma festa!

Qual o marketing que usou para começar?
Seu Filho, Roberto Italo Mauro, era o seu técnico. Ele me iniciou na Ortodontia e Ortopedia Funcional dos Maxilares. Foram quatro anos de muito aprendizado. Nesse período, eu comprei equipamentos para montar o meu próprio laboratório e montei. Comecei também a entregar listas e visitar clientes. Acho que dar aulas, escrever livro, participar de congressos e ter bons relacionamentos ajudou-me bastante.

Quais as dificuldades que teve na área técnica na época?
Tive muita coragem em montar meu próprio laboratório já de início. Não sei ainda se essa foi uma atitude correta, pois não temos experiência. Mas era muito ansiosa para esperar. Nesses quatro anos consegui bagagem para fazer alguns aparelhos e assim que casei tive minha primeira filha Mariana, comecei a trabalhar sozinha em casa. Com filho é bem confuso, ainda mais quando pequeno, pois não temos horário para trabalhar. Fazemos isso na hora que dá. Sempre lembro de quando empurrava seu carrinho, para ninar ela e ao mesmo tempo desgastava os aparelhos.

Na profissão, quem são seus grandes amigos?
Nessa época eu já tinha muita sede de conhecimento, e no início dos anos 90, fui a meu primeiro evento, da APDESP, na FAU-USP. Fiquei encantada. Fui para assistir a palestra de Tania Bindi e fiquei como uma babona, ouvindo tudo o que ela dizia e perguntando várias coisas, ao ponto de irritá-la. Do outro lado da sala havia um jovem, Oswaldir Ellero Junior, que procedeu da mesma maneira. Tinha muita vontade de fazer um curso com a Tania, então a procurei. Fiz o meu primeiro curso de Bimler com ela e foi lá que conheci aquele jovem, muito interessante. No curso, ele abriu uma toalha e dentro dela havia uns vinte alicates que reluziam. Eu morri de vergonha, pois só tinha dois alicates… Um dia depois, conversando com ele, contei sobre o meu sentimento e ele retrucou dizendo que havia sentido o mesmo, pois eu fazia com dois alicates o que ele fazia com vinte. Ficamos grandes amigos e o somos até hoje. Conheci nesse curso também o Walter Alborghetti Filho e o Cieni Ravaiani, pessoas maravilhosas, amigos de hoje também. Foi fantástico, pois naquela época não tínhamos informações suficientes disponíveis, então nos ajudávamos sempre. Amigos tenho muitos e agradeço a eles o carinho que me tem. Amigão tenho um, o Oshiro, parceiro desde os primeiros tempos.

Quem é seu maior ídolo na Prótese Dentária?
Conseguimos marcar um curso com o Dr. Enio Eiras, em 92, que foi o primeiro curso de ortopedia que ele deu para técnicos. Ele era um dos precursores da Ortopedia Funcional dos Maxilares. Lá conheci Leon de Freitas Daglian, que fez parte da nossa turminha também. Como já mencionei, eu tinha sede de conhecimento, causando certo desconforto ao Dr. Ênio, porque eu sempre perguntava a ele porque tais peças deveriam ter aquele desenho e então ele dizia: Abstenha-se a confeccionar. E eu questionava: Mas doutor, se eu preciso fazer direitinho, tenho que saber os “por quês”. Tornamo-nos grandes amigos! Faço o aparelho de Planas do jeito que ele me ensinou, pois não tem método mais eficaz. Ele é o meu ídolo entre os Dentistas e entre os colegas técnicos, não vai ser diferente: é o Oshiro!

Como foi “sair de casa”?
Nesse período nasceu meu segundo filho João Marcelo, e montei o laboratório fora de casa. Tentei conciliar casa, filhos e profissão. Uma “pauleira”! Hoje consigo ver que fiz o que pude. Nessa época fui convidada para dar aulas na graduação de Técnicos em Prótese no Sindicato dos Protéticos. Não dei aula de Ortodontia, mas ai já teve noção da minha paixão pela docência.

Como foi sua primeira aula?
Tania Bindi fez um pequeno evento no CRO e convidou-me para ministrar uma palestra. Tremi que nem vara verde! Então pesquisei isso também, essa tremedeira que todos tem ao se expor. É muito natural tremer pelo menos dez minutos no início da palestra, pois temos a expectativa da reação dos outros. Até hoje fico um pouco nervosa, mas quando agimos exatamente como somos e sabendo sobre o que estamos falando, é sucesso!

Quais foram seus maiores ou melhores momentos?
Meu primeiro contato com a APDESP foi em um Congresso, já no Anhembi. Pedi ao querido Carlinhos Kyian para expor uma mesa clínica. Pronto, outra paixão nascia: a APDESP. Depois disso, meu querido Osmar Kyian convidou-me para uma palestra no Congresso, daí não parei mais. Depois de algumas edições do Congresso, pedi à comissão autorização para que eu convidasse mais alguém da área, e assim, como vemos hoje, tenho uma grade apenas de Ortodontia e OFM. Isso foi e é de muita valia aos profissionais de Orto e OFM. No Cursão aconteceu da mesma maneira, até que um dia requisitei uma sala, mas não havia, então pedi um estande. Você pode imaginar? Dei o nome de “Oficina de Ortodontia”, convidando ótimos profissionais e os coloquei, assim todos os assistiam confeccionando seus trabalhos. Foi um sucesso, pois lotou de gente!

Quem fez mais pela Prótese Dentária nestes anos todos?
No evento seguinte me deram uma sala e assim é até hoje. Tenho um enorme respeito e carinho por essa entidade, pois eles sempre acreditavam nos meus projetos meio malucos. Fui convidada pelo meu querido Roberto Quyian para ser diretora administrativa em sua gestão. Fiquei honrada e trabalhei muito com ele e toda a equipe durante esse tempo. Ele sempre teve ideias inovadoras! Sou sua fã. Costumo dizer que somos uma família. Adoro a todos eles.

Qual foi o seu sonho na profissão?
Dar aulas sempre foi um sonho. Orgulho-me em dizer que o realizei com muita dedicação e amor. Identifico-me muito com meus alunos, somos parceiros. A minha primeira fala em aula é para que eles me tirem do “pedestal” (aquele que às vezes colocamos as pessoas que admiramos). Isso promove a espontaneidade, fazendo com que a aula flua que é uma beleza. Aprendo muito com eles. Hoje em dia ministro palestras e cursos por aqui e pelo exterior.

Qual seu livro ou autor preferido na profissão?
Também escrevi um livro, talvez o primeiro totalmente voltado às técnicas laboratoriais em Ortodontia e OFM. Foi uma barra, pois tive que dedicar muito tempo a ele, mas valeu a pena, pois consegui ajudar os profissionais dessa área. Ouço sempre que ele é como um livro de cabeceira. Eu acredito, pois até eu o consulto de vez em quando. Infelizmente quem escreve livros técnicos não tem um retorno financeiro à altura do trabalho, mas mesmo assim foi e é fascinante saber que o meu legado está ai, para sempre e para todos.

Sente-se realizada profissionalmente?
Eu tive um sonho, que era ter um laboratório de médio porte, com funcionários, muitos clientes e trabalhos. Eu realizei esse sonho, mas minha maior dificuldade até hoje é a questão administrativa e financeira. Costumo dizer que meus funcionários viram comadres e compadres. Hoje faria tudo diferente se tivesse um laboratório maior. Fiz até faculdade de Administração, durante dois anos, que infelizmente tive de parar. Mesmo assim ajudou-me muito. Hoje trabalho sozinha, apenas com motoboy e uma secretária. Faço todos os trabalhos do começo ao fim, pois meus clientes gostam desta forma. Sou tudo, o técnico, o administrativo e o operacional.

O que acha da Prótese Dentária hoje?
Há um tempo, os profissionais da área de Ortodontia sofreram muito com a abertura de clínicas populares, pois houve uma grande procura por esse tipo de trabalho. Elas ofereciam tratamentos com preços muito baixos e cobrados apenas por manutenções (mensal). Com isso os técnicos que faziam os trabalhos também acompanharam esse esquema, baixando demais os seus preços. Acredito que esse foi realmente o maior problema que tivemos. Hoje consigo ter um vislumbre de que tudo isso realmente não vingará. Concordo que precisamos ter um meio termo, mas como estava, é totalmente desapropriado para os profissionais. A maioria tem em mente ser muito fácil a confecção dos aparelhos e julgam pelo material usado, alegando ser barato. Tenho outra concepção quanto a isso. O material pode ser barato e é, mas o que vale é o que e como fazemos esses trabalhos. Sempre gostei de estudar, saber o que estou fazendo, para fazer com excelência. Ajudo os meus clientes, colaborando com a minha técnica. Tenho clientes que discutem o diagnóstico e o tipo de aparelho que será melhor para determinado paciente. Adoro esse tipo de conduta.

Qual será o caminho mais indicado para a Prótese no futuro?
É como a história do “parafusinho”: O cara 1 trocou um “parafusinho” do computador do cara 2, em apenas 5 min. O cara 2 queria que isso acontecesse bem rápido, pois necessitava da máquina, mas não gostou do preço de R$ 1.000,00. Questionando o cara 1, então disse ao cara 2: R$ 1,00 custa o “parafusinho” e R$ 999,00 custa saber onde trocar o “parafusinho” e… rapidinho. Então não devemos pensar no material e sim no conhecimento, que podemos proporcionar aos nossos clientes. Isso não tem preço. Costumo dizer que nossos maiores mestres são nossos clientes, pois através de suas demandas é que corremos atrás de conhecimento, fora o que eles próprios nos ensinam.

A palavra é sua para considerações finais.
Bom, poderia escrever um livro, mas não seria apropriado. Deixo uma dica aos iniciantes: a melhor forma de conquistar sucesso é fazer o movimento, ir em busca de conhecimento e acima de tudo, mesmo sendo devagar, tudo ao seu tempo. Nunca deixar de se valorizar. Desejo a todos muito sucesso!

Infelizmente esta linda história terminou na noite de 20 de dezembro. Fisicamente, pois espiritualmente a Ceci vai continuar nas nossas mentes e corações para sempre. Os que tiverem vontade de lembrar dela com um dos mais expontâneos sorrisos da Prótese Dentária, basta digitar Cecília Cattacini no Facebook e sentir mais um pouco da sua vontade de viver. E quem tiver fotos dela, pode compartilhar colocando lá para que a imagem dela seja a da felicidade. Saudade!

RECONHECENDO QUEM FAZ MAIS PELA PROFISSÃO
Fonte: Antônio Inácio Ribeiro – ODONTEX

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Uma resposta para Reconhecendo quem mais fez pela profissão, entrevista da TPD Cecilia Cattacini

  1. Vanessa Abreu disse:

    Que belíssima atitude a sua de compartilhar essa jóia preciosa!
    O legado de Cecília é facilmente notado pela qualidade incomparável de suas técnicas, mas acima disso está presente o testemunho de alguém que veio nessa terra e agiu com HONRADEZ, DETERMINAÇÃO e AMOR PELA FAMÍLIA que deu à ela forças para ser mais!

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